sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Mais um mestre


JOÃO EMANOEL ANCELMO BENVENUTO, concluiu o Curso de Música (licenciatura) na UFC no ano de 2009. Estudante da primeira turma, João foi o primeiro a concluir o segundo momento de sua formação (Mestrado) - sob orientação do Dr. Luiz Botelho Albuquerque - e é também o primeiro estudante egresso do Curso de Música da UFC a entrar no doutorado em Educação. (João submeteu projeto para "fluxo contínuo" e o mesmo foi aprovado por comissão externa ao Programa de Pós Graduação em Educação Brasileira.

Na defesa da dissertação do João tive a alegria de estar na banca. Abaixo o texto que preparei para ler na ocasião:


“... É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem
que se pode melhorar a própria prática (Freire)



COMO SE FORMA UM EDUCADOR MUSICAL




A bem-vinda leitura do trabalho de João Emanoel Ancelmo Benvenuto nos lança e busca nos conduzir a partir desta essencial indagação: como se forma um educador musical? Na página 18 de sua “antecipada dissertação”, a busca se torna explicita e, comigo penso: NÃO SEI COMO O QUE É OU COMO É UM EDUCADOR MUSICAL, SEI APENAS QUE ELES EXISTEM E SEI TAMBÉM QUE NÓS NOS PROPUSEMOS A FROMÁ-LOS.

Ora, se há em nós a pretensão de formar educadores, a indagação posta por João Emanoel é mais que bem vinda: é essencial em essência.

Na busca de suas respostas, João anuncia que para encontrá-las “busca analisar ,criticamente, os percursos trilhados desde sua própria formação”, assim, diante do que está posto, vislumbramos o desafio e a coragem de João: DIZER-SE! (esse não é um exercício fácil).

Indo além da coragem, João afirma que quer “compreender como se estabelece a aproximação do músico-educador ao se apropriar da prática pedagógico-musical no contexto escolar”. Aqui cabe esclarecer: CHAMAMOS DE “CONTEXTO ESCOLAR” A ESCOLA PROPRIAMENTE DITA , um espaço de espera e esperança - Espera que , se estática, impossibilita; Esperança que renasce sempre em seres que nas escolas respiram o futuro.

Muito se tem falado, muito se tem publicado sobre Educação-Musical, no entanto, paradoxalmente, o Contexto Escolar, A Escola, é um espaço temido: um espaço do qual muitos músicos licenciados e licenciandos temem em se aproximar. Esse paradoxo parece estar enraizado na ideia, antiga ideia, de que a música (aquela que alguns com seus maniqueísmos tentam qualificar como “boa música”) é para poucos. E, mesmo que não sejamos adeptos dos maniqueísmos, caberia perguntar: o que seria boa música? Intuo que a BOA música é aquela que resulta de um processo de exposição de uma verdade única, singular. Uma verdade de um sujeito que por ser verdadeira pode ser de muitos sujeitos.

No entanto, as mentiras em que nos acomodamos (como diria Clarice Lispector) nos levam a crer que existem sujeitos indignos de acesso à boa expressão musical e por isso, talvez, os bons sejam pouco e não devam ser encontrados em escolares contextos.

Ocorre que a verdade da música está em todo lugar, assim como está na vida e, especialmente, na vida que há nas escolas: com música, química, literatura e matemática... com o conhecimento a vida poderá ser bela para ser a nossa verdadeira e coletiva obra de arte.

Articulando Saberes de Experiência, conceito colhido principalmente nos trabalhos de Tardif, com a noção de Habitus proposta por Bourdieu, João delimita teoricamente a envergadura de seu trabalho e, com a sua característica serenidade, reitera aquilo que nos diz Tardif: “é preciso aprender a trabalhar trabalhando”.

No trabalho desenvolvido nas disciplinas de estágio curricular, João anuncia, há algo para ser compreendido: COMO SE FORMA UM EDUCADOR MUSICAL! Na página 20 de seu trabalho, no final do último parágrafo, ele nos sinaliza: “UMA ANÁLISE MAIS PROFUNDA SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO EDUCADOR MUSICAL DEMONSTRA A NECESSIDADE DE UMA CONSTANTE REFLEXÃO SOBRE A ATIVIDADE DOCENTE, NO INTUITO DE COMPREENDER AS DIFICULDADES ENCONTRADAS EM SALA DE AULA”. e, Na página 21, articulando-se com Tardif, arremata: “A tomada de consciência dos diferentes elementos que fundamentam a profissão e a integração na situação de trabalho levam à construção gradual de uma identidade profissional” (Tardif, 2002, p.21).

Tomar consciência, no entanto, não é algo que se dá em um momento específico. Tomar consciência é um percurso sempre inacabado. Cada um de nós está sempre e constantemente tomando consciência de si e sempre nos (auto)conscientizamos em relação aos outros e aos nossos contextos compartilhados. Intuindo sobre essa constante tomada de consciência de si mesmo em relação aos outros, João se lança no interminável exercício do dizer-se para encontrar-se.

João, buscando compreender o impacto do momento de Estágio Supervisionado para estudantes da graduação em música da UFC/Fortaleza, busca recobrar os sentidos dos impactos do estágio em sua própria formação. No entanto, no percurso da elaboração da dissertação, o dizer de si mesmo ainda é vago e ficamos apenas com uma vaga ideia daquilo que poderia ter João nos dito. Esta vaga, talvez, possa ser preenchida no espaço do douotorado. Espaço já conquistado com competência que não pode ser usada contra o João, já que ao conquistar a progressão para o doutorado se viu obrigado a consubstanciar em dissertação conclusa aquilo que ainda nele estava em elaboração.

Por um momento, João, pensei em lhe sugerir a retirada de toda a parte referente à trajetória autobiográfica (da página 28 a página 39) mas, ao invés disso, sugiro que elas sejam mais exploradas se, claro, o Professor Botelho - nosso extraordinário orientador comum - achar pertinente. Ou, como apontou o Professor Álbio de Sales, apenas não se comprometa com a metodologia das Histórias de Vida.

Intuo, João, que uma coisa que contribui positivamente para a sua investigação é o frescor de suas experiências como aluno-estagiário em encontro com as experiências de seus companheiros de pesquisa, hoje estudantes-estagiários que se descobrem professores de música. As inquietações e os achados que você nos coloca ao longo do texto podem desencadear muitas reflexões na construção desse ator-professor-músico. COMO SE FORMA UM PROFESSOR DE MÚSICA?

Na página 44 do trabalho João nos diz que o estágio “é um ponto de partida no processo de identificação com a profissão docente”. Eu diria, discordando um pouco do João, que o estágio pode ser esse ponto de partida. Eu, por exemplo, apesar de licenciado, quase não estagiei. Na minha época as discussões sobre Educação Musical ainda não haviam chegado à fase do politicamente correto: não tive estágio na escola, mas, em algum lugar já estava em elaboração o meu processo de identificação com a profissão docente. O estágio é, sem dúvida, um bom lugar para que iniciemos a busca por aquela resposta: COMO SE FORMA UM PROFESSOR DE MÚSICA?

Na página 46 há um momento de transição não explicitado quando expondo o Projeto Político Pedagógio do nosso Curso (ítem 3.3) você salta para a percepção dos estudantes sobre esse mesmo PPP que seria, na minha opinião um novo ítem (3.4). E por que mesmo essa discussão sobre o teste de aptidão ainda é tão recorrente? Essa é uma pergunta que das entrelinhas salta para ar e no ar fica sem repousar.

João, Vejo que do momento da defesa do Projeto (qualificação) para este que vivemos agora, você tentou explicar melhor o COMO ocorre o estágio no nosso Curso de Música de Fortaleza. Na página 49 essa intenção de explicação é claramente confusa. Penso que um pouco mais de calma nos ajudará a entender o que é ou o que não é manter os estudantes no mesmo ambiente de estágio por dois anos. (Os estudantes, durante os dois anos de estágio, são distribuídos em escolas [atuando em duplas ou trios] e nestas devem permanecer até completarem as 400 horas. Uma turma de estágio, portanto, não é alocada toda na mesma escola {sugiro algo assim}.

Observe que na página 53 o anonimato de um dos estagiários é quebrado por uma colega. isto ocorre na colagem da imagem da tela do Ambiente Sócrates. E algo importante que surge como discreta nota de rodapé na mesma página 53 é o PIBID. Penso que por ser um programa que leva estudantes para o contexto escolar, o PIBID merece uma nota mais detalhada.

Nas considerações finais é possível encontrar importantes contribuições reflexivas, reflexos da pesquisa de João, que podem ajudar na Formação desse Ser-Professor de Música. João nos diz que as questões que ele apresenta acrescentam características fundamentais no processo de definição do estudante-estagiário em reconhecer-se como educador; em enxergar um significado ao “ver-se como um professor de música” (página 61). Na mesma página João nos fala de um engajamento do estudante com a construção pedagógica do referido habitus. João, esse engajamento é seu. É intransferível! O que me chama a atenção é que o seu engajamento parece nascer de uma intuição que se transmuda em compreensão elaborada em seu percurso de encontro com você mesmo e com as outras partes de você que estão hoje nos sujeitos da sua investigação. A Educação Musical é uma prática coletiva nada relacionada com “ensino coletivo” (isso discutiremos um pouco mais na defesa do Marcelo Mateus). Aliás, o conceito de “ensino coletivo” acaba por distorcer a essencial grupal, cooperativa, da ação de educar musicalmente.

O seu engajamento, João, talvez, talvez mesmo, tenha começado no Estágio. Ou talvez ele já estivesse lá (latente) e foi apenas se tornando consciente (manifesto) para você naquele momento. O que importa é que você compreende que essa constituição não é “obra solo” e sim algo que se faz no encontro, nos conflitos e na partilha. E por isso, com sua dissertação, você nos ajuda a fecundar o solo coletivo.

Uma pequena coisa, antes da benção final (de minha parte) é chamar a nossa atenção para o fato de que o supervisor de estágio não pode ser reduzido a um “agente motivador”, como você diz na página 62. Talvez tentando salientar que o supervisor não deve ser uma âncora ou uma amarra, algo que ordena e restringe, você tenha, inadivertidamente reduzido o papel desse autor, mas veja: o supervisor aprende muito no processo da supervisão. As trocas do supervisor com os estagiários são elementos fundantes e fecundantes da ação docente e ele também, como todos nós, deve estar engajado em sua própria formação, na constituição de seu habitus para o fortalecimento de nosso campo.

Agradeço de coração a oportunidade que você, com seu trabalho, me deu de mais uma vez pensar sobre estas coisas todas e sobre outras que por hora ainda estão em silenciosa elaboração. OBRIGADO!

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