sábado, 1 de dezembro de 2012

Música na Escola; idéias para reflexão e discussão.

ACONTECERÁ HOJE, 01 DE DEZEMBRO, EM QUIXADÁ: RODA DE CONVERSA SOBRE MÚSICA NA ESCOLA. AQUI AS PROVOCAÇÕES REFLEXIVAS.


COM DITO, ESTAS SÃO PROVOCAÇÕES REFLEXIVAS. NÃO DEVEM SER ASSUMIDAS COMO DOGMAS NEM REJEITADAS SEM A DEVIDA DISCUSSÃO.

domingo, 25 de novembro de 2012

Inventário Luminoso - encontro de música e afetos

Há momentos cuja magia transcende;
há momentos que são transcendentais.

Relançar o inventário em um encontro de amigos e música foi mais do que uma alegria: foi/é como uma "revelação".

Meus agradecimentos a todos que participam da caminhada inventada-iluminada.
Obrigado ANA IORIO,
Obrigado LUIZ BOTELHO,
Obrigado CORAL DA UFC,
Obrigado DIZ EDITORA (DIDI E IZAÍRA)

Até o proximo encontro!!!


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Inventário Luminoso

Desde o primeiro lançamento em 2008, o Inventário tem trazido muitas luminosidades. No próximo sábado, 24 de Novembro, com um musical discurso coral, o estaremos relançando na Livraria Cultura, a partir de 19 horas.


quarta-feira, 4 de julho de 2012

Deixando fluir o fluxo do sentir-(se)

A compreensão é sempre precedida pela sensação, pelo sentir. Vivemos a sentir e buscamos apenas "compreender" - como se fosse possível isolar um aspecto do outro. Em arte, se a ânsia por "compreensão" intenta sobrepujar o sentir, podemos gerar vários fenômenos, mas estes não poderão ser chamados de Arte.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Educação Musical em Ambientes Formais - Abem Nordeste 2012

Slides que guiaram a fala do Professor Elvis Matos 


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Falando de Arte na UFC na Instalação da Secretaria de Cultura Artística



Minha mãe achava o estudo a coisa mais fina do mundo.
Não é. “A coisa mais fina do mundo é o sentimento”

Com este tocante “poema-reflexão” de Adélia Prado, apresento minhas poéticas saudações ao Magnífico Reitor da UFC, Professor Dr. Jesualdo Pereira Farias, aos demais colegas servidores públicos que compõem a mesa e aos que estão na plateia. Cumprimento os estudantes presentes e também a todas as pessoas que aqui, mesmo não sendo estudantes ou servidores da UFC, testemunham este importante momento que simboliza muitos sonhos na concretude de nossa realização mais recente: A Secretaria de Cultura Artística da UFC.

De início, gostaria de compartilhar uma inquietação que, sei, não é apenas minha e que por sua pertinência e relevância deve ser tocada. Tal inquietação que tange a natureza essencial da Secretria que hoje instalamos, pode ser expressa no seguinte questionamento: Secretaria de Cultura ou Secretaria de Cultura Artística?

Entendemos que o uso do termo “Cultura” como sinônimo de “Arte”, de tão corrente, tornou-se naturalmente legítimo em nossas práticas quotidianas. No entanto, pensando que estamos instalando uma Secretaria de Cultura Artística, instância que tem como objetivo “trabalhar pela articulação das iniciativas relacionadas às artes, incentivando e apoiando projetos” e cuja missão é “fortalecer a cultura artística, compreendida como dimensão inalienável da vida universitária”, penso ser pertinente nos determos um pouco em uma tentativa de compreensão da confluência destes dois termos, (Cultura e Arte) pois a cultura contém as artes e os ofícios. A Cultura se manifesta em todas as práticas relacionais que, como humanos, constituímos em nossa trajetória no Planeta Terra.

Usar o termo “Cultura” quando queremos nos referir a uma parcela específica daquilo que humanamente construímos, as Artes, impõe, mesmo que sutilmente, juízos e valores ao artístico que se qualifica como “Cultural”, da mesma maneira que ocorre quando, sem nenhum estranhamento, falamos “cinema de arte” para nos referirmos a uma produção cinematográfica não comprometida com a grande indústria do entretenimento. Poderíamos então falar em: “Cinema Cultural”? “Cultura Cultural” - com Cês Maiúsculos? E, se assim for, como fica a cultura artística das maiorias tidas e escritas com letras minúsculas?

A Professora Juraci Cavalcante, querida colega da Faculdade de Educação, em um artigo publicado em 2009 nos informa que a primeira Sercretaria de Cultura do Brasil - como orgão de governo estadual - foi criada no Ceará, no ano de 1966 e nos aponta que “um elemento comum a todos os sentidos atribuídos à cultura, como área de controle social e gestão estatal, é a presença de intelectuais. Trata-se - nas palavras da Professora Juraci Cavalcante - “de uma função social das elites letradas.” (Cavalcante, 2009, p. 110).

Assim, no momento em que instalamos uma Secretaria de Cultura Artística da UFC, é pertinente nos questionarmos se o termo cultura como sinônimo de arte, ou de cultura especificamente artística, não é por si só uma qualificação da “arte” a qual nos referimos como “cultura”. Seria esta, uma arte necessariamente culta?  um fazer artístico que se faz legitimar em aparelhos públicos/governamentais pela apropriação daquilo que se qualifica como “Cultural”, por parte de uma "intelectualidade ilustrada"?

Assim nos parece ser. As instâncias que são instituídas para a definição de “políticas culturais”, historicamente herdam um desejo de tutelar e qualificar as práticas estéticas de nossa Cultura e, usando os filtros advindos dos saberes dos intelectuais que assumem suas direções, se arvoram do direito de definir o que é digno de amparo e de incentivo.

A instituição de uma Secretaria, órgão ligado ao Gabinete do Reitor com status de Pró-Reitoria, que pautasse sua ação na simples tutela gerencial que qualifica determinadas práticas artísticas em detrimento de outras, seria, na UFC, um equívoco, pois nossa história aponta em outra direção: a direção do encontro daquilo que é regionalmente universal com aquilo que é universalmente regional. Assim, compreendemos que a Secretaria que hoje se instala é de Cultura Artística, melhor dizendo, uma Secretaria stricto sensu.

Em julho de 1986, Na abertura do V Encontro Musical da UFC, o Nordeste 86, o então Pró-Reitor de Extensão, Professor Marcondes Rosa de Sousa, falou aos presentes sobre “uma ação na primeira pessoa do plural” e, dente outras coisas, nos disse: “A ARTE NÃO NASCE DA SOLIDÃO. MAS DA SOLIDARIEDADE, DO GRUPO E DO DAR-SE AS MÃOS” (...) “DAÍ A NECESSIDADE DO ENCONTRO. ENCONTRO PARA QUE SE REPENSE; PARA QUE SE APRENDA JUNTO; PARA QUE O PRESENTE SEJA UM MARCO E UM SINAL DO ENLACE ENTRE O PASSADO E O FUTURO” (Sousa, 1986, p.1).

Nesta perspectiva do encontro, da compartilha construtiva, reside também o ímpeto de nos aproximarmos de nossos anseios mais recônditos, para que possamos realmente romper nossos amplos espaços de solidão e, assim, estabelecer relações solidárias. Percebemos que a solidariedade como mote dos encontros é o ponto de partida e de chegada de toda e qualquer prática democrática. Há, portanto, no âmbito da vida universitária, que haver espaços para a diversidade e para a divergência - para o conflito construtivo que por seu caráter dialógico-plural deixa de ser “arenga cega”, gerando atritos para a superação da inércia.

Porém, o atrito inicial e essencial deve ser a arenga íntima, aquela inquietação com a qual Clarice Lispector nos desafia, ao propor e perguntar: “EXPERIMENTE! SE VOCÊ FOSSE VOCÊ, COMO SERIA E COMO FARIA?

No ser e fazer de nossos dias e noites, na lida, vislumbramos a crueza do estado de desconhecimento de nossas possibilidades expressivas. “Crueza cruel” que caracteriza nossa chegada, como adultos, à vida universitária. Reduzimos, na maioria das vezes, os anos de formação acadêmica a uma busca ávida pela competência em um setor específico de conhecimento e nossas outras possibilidades de atuação viva tornam-se anestéticas, anestesiadas quando poderiam, em estética, - no movimento do acordar-se -, nos levar a estabelecer relações significativas e significantes para encontros íntimos e coletivos: convergência de “bonitezas e decências”, como nos aponta o mestre Paulo Freire.

Neste cenário a Secretaria de Cultura Artística da UFC buscará o movimento estético não apenas junto aos estudantes e professores que já lidam com as linguagens das artes - sim, estes são sujeitos essenciais - mas é preciso que alcancemos também, através da Secult-Arte, quem se encerra em áreas tidas como distantes ou “duras”, para que a formação acadêmica que praotagonizamos possa superar o pragmatismo da preparação profissional competente, alcançando a formação humana que rompendo a solidão, gera a solidariedade que dá suporte à democracia.

Pensar na grandeza da UFC é, pois, um imperativo. As ações, projetos e espaços a serem articulados a partir da Secul-Arte-UFC, precisarão ser sempre projetados de conformidade com as dimensões da própria UFC, alcançando os diversos campi de Fortaleza e do Interior do Estado.

A Arte, no projeto que consubstancia a Secretaria de Cultura Artística é, pois, compreendida como um “bem comum”, ou como o direito à livre expressão, que, apesar de muito propalado, não pode ser exercido com liberdade na medida em que estamos contidos, reprimidos, pela ignorância de nossas próprias possibilidades expressivas. O desafio é amplo: sermos nós mesmos e, por isso mesmo, por sua amplitude, é fascinante e urgente.

Para a construção do íntimo que se torna coletivo e democrático precisamos imaginar. A grande mestra, Professor Izaíra Silvino Moraes nos aponta: “A GENTE PRECISA SOLTAR A IMAGINAÇÃO! ELA É PRCISA, SEMPRE. E PRECIOSA” - e acrescenta ainda: “A IMAGINAÇÃO PRECISA DE UM ESPAÇO PARA AMPLIAR-SE E NÓS NÃO PODEMOS PRESCINDIR DELA, NUNCA.” (Silvino-Moraes, 2007, p. 205-206).

Entendemos a Secretraria de Cultura Artística, como mais um espaço de ampliação da imaginação que constrói a UFC, uma vez que esta imaginação inventa a cada um de nós. E, ao final desta intervenção, gostaria de passar às mãos do Magnifíco Reitor, Professor Jesualdo Pereira Farias, um documento concreto de um espaço imaginado: A Casa Leilah Carvalho Costa – Núcleo de Estudos da Voz, na UFC. O Ato de entrega deste Projeto, em encadernação diferente da que já foi encaminhado à Administração Superior, é um ato simbólico de reafirmação de nosso intuito de imaginar, do nosso compromisso de, como artistas, também continuar a construção da UFC.

Fazendo nascer a UFC, o Professor Antônio Martins Filho teve a capacidade de imaginar uma universidade para o Ceará e moveu-se para a sua construção trazendo para o interior de sua imaginação, a imaginação de seus contemporâneos. Juntos, os imaginadores primeiros,  tornaram reais as imagens-sonho de universidade. Nesta onírica construção do real, vários sonhadores vislumbraram que as Artes deveriam colorir, musicar e movimentar o espaço acadêmico que se tornava concreto a cada dia e, desde seus primeiros momentos, a UFC abriga as Artes.

Foi necessário, no entanto, que um percurso de amadurecimento - um tempo de formação - transcorresse para que as Artes na UFC se equiparassem às outras áreas do saber universitário e conquistassem espaços de vida acadêmica legítima. Muitas vezes este tempo de formação ou de amadurecimento é visto como “tempo de vacas magras” ou “tempo de débito da UFC para com as Artes”. Porém, se olharmos este período com lentes mais generosas e cuidadosas, veremos que a UFC é constituída por todos nós que a sonhamos e que a construímos. Assim, o espaço das artes dependeu, depende e sempre dependerá de nossa própria capacidade de, como artístas e servidores públicos desta instituição, sonhá-lo e realizá-lo sempre considerando, para além de nossos anseios indivudiais, as urgentes premências sociais que nos cercam e que nos desafiam. 

Como instituição sonhada e realizada, a UFC traçou e traça suas prioridades legítimas na trama de sua própria história, história da qual hoje somos sujeitos sonhadores e construtores. O momento das Artes é o sempre que se reinventa e de nada adianta aqui, na UFC, apenas repetir o que já está posto e proposto mundo afora. Nossa tarefa é ousar, ousar e ousar – ou cantando com Gonzaguinha: ousar e ousar e ousar a beleza de ser um eterno aprendiz: ouso, portanto existo.

Em ousados espaços e projetos como o Coral da UFC, o Projeto Ópera Nordestina, o Curso de Arte Dramática, a Camerata da UFC, O Museu de Arte, A Casa Amarela Eusélio Oliveira, A Faculdade de Educação, na qual nasceu o nosso Curso de Música - hoje nota 5 - o Centro de Ciências Agrárias que abrigou o Curso de Estilismo e Moda,... em todos estes espaços houve sempre quem, com ousadia, sonhasse e realizasse artes, artifícios e artimanhas, de tal maneira que hoje alcançamos instalar a Secretaria de Cultura Artística da UFC, retomando os fios de prata de nossos artísticos sonhos e constatando juntos que não há mais porque pensarmos em dívidas. E não há razão para duvidarmos de que a UFC é a expressão de nossa real inteireza, aquela com a qual ousamos (sempre) sonhar.

Quando criança muito trabalho dei a minha mãe para sair da rede, encarar o mundo real e ir para a escola em manhãs sonolentas da década de 1970. Dona Raimunda Roberto, talvez pensando que o estudo fosse a coisa mais fina do mundo lutou para que eu pudesse ir à escola, e fui. Um dia, quando redigia minha tese de doutorado ela me perguntou: “meu filho, você não vai parar de estudar nunca”? – Ouvir minha mãe, que hoje está aqui a testemunhar conosco a instalação da Secretaria de Cultura Artística da UFC, fazer esta pergunta, foi uma satisfação: estava, ali, encerrada a etapa em que ela deveria acordar-me para o real. Um real com o qual ela mesma sonhara, pois, na mesma época em que cursava o doutorado, minha mãe, em escola pública noturna, concluía o Ensino Fundamental. Hoje, mãe, agradecer-lhe é o pouco que me é possível fazer: (Muito Obrigado!).

Pensar-se, sentir-se e encontrar-se acordado em apenas uma realidade é perigoso e limitante. Quando eu começava, no início dos anos 1980, em função das demandas reais por sobrevivência, a submeter-me a uma realidade previsível, que não fora inventada por mim, com a qual eu não sonhara, a UFC, através de seu Coral, entrou na minha vida e ninou, como fazia meu pai, meus sonhos de ser músico.

Com consciência clara de que a vida é o terreno das possibilidades a Professora Izaíra Silvino, como mãe também severa, conduziu a mim e a muitas outras pessoas em seu propósito de semeadura de sons. Me refiz gente e me inventei músico-professor pelo crédito que você, Professora Izaíra, deu aos sonhos que eu já não sabia que sonhava.

Estas são doações às quais não podemos retribuir, mesmo porque não foram praticadas esperando retribuição. Posso apenas reconhecer que muito do que sou aprendi indo com vocês, minhas mães, para além cansaço. Mas posso e devo, neste momento, comprometer-me em fazer o que estiver ao meu alcance para que a Arte, que tece muitos sonhos, sonhos de pessoas que, inclusive, não conhecemos nem conheceremos, continue sempre a correr, qual rio de sentidos e sensações, nos espaços da UFC que juntos construímos.

As mães e pais que aqui citei representam o que de maternal e de paternal há em todos nós. Como mães e pais havemos de cuidar do que deve ser cuidado, acordar o que deve ser acordado e ninar o sonho que precisa ser sonhado...

... ou como nos diz o poeta Manoel de Barros: 

O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.

Fortaleza, 16 de Abril de 2012
Elvis de Azevedo Matos
Diretor da Secult-Arte-UFC

terça-feira, 20 de março de 2012

UM ENSAIO SOBRE ENSAIOS - Por Erwin Schrader

Artigo do Professor Dr. Erwin Schrader para reflexão em aula de regência:



Um ensaio sobre “ensaios”: reflexões sobre relações mediadoras entre regente e cantores na atividade de canto coral.

Resumo: O presente trabalho apresenta algumas reflexões sobre a função do regente, enfocando aspectos de sua ação pedagógica e seu poder de “mediação” frente a grupos de canto coral. O encontro mediado pelo regente educador, através de uma ação libertária permitindo uma autonomia expressiva a cada cantor, converte-se em estratégia para a construção de novas condições de possibilidade, sobretudo no que diz respeito à constituição de processos criativos. As reflexões aqui empreendidas fazem parte de um processo de observação do desenvolvimento artístico-musical de grupos de canto coral em Fortaleza/CE, procurando compreender essa atividade coral como uma busca de novas alternativas de expressão artística e estética, que empreguem estratégias pedagógicas para o aprimoramento ético de seus integrantes, formando, assim, multiplicadores críticos e reflexivos para a difusão dos conhecimentos partilhados na atividade coral.
PALAVRAS-CHAVE: Canto Coral; Regência; Educação Musical; Interpretação Musical.

A atividade artística de canto coral pode ser considerada um campo fértil para uma reflexão sobre relações de dominação estabelecidas pelas instituições e estruturas sociais de uma comunidade. A autoridade do regente sobre a organização de um grupo coral e a execução de obras musicais podem ser analisados como reflexo do pensamento hegemônico de uma determinada cultura dominante, quando o regente se propõe apenas a reproduzir um pensamento musical institucionalizado. Ao mesmo tempo, pode tornar-se uma forte ferramenta de intervenção pedagógica, desencadeando um processo de ensino-aprendizagem que supera o plano da simples execução musical artística. Essa ação pedagógica, tomada de forma integrada com a atividade musical, pode vir a ser uma ação mediadora de tomada de consciência, por parte de todo o grupo de cantores, acerca de seu papel social, tornando-o emancipado do poder e controle do regente.

Zander (1987, p. 154) afirma em seu livro sobre regência que “a responsabilidade do regente como autoridade é grande, porque com sua capacidade deve ser o guia, a alma e a vida de seu agrupamento”.

A partir dessa afirmação, inicio minha reflexão indagando sobre o papel de um regente, em ser “o guia, a alma e a vida” de um grupo coral. Partindo da idéia de domínio de elementos técnicos musicais – ritmo, harmonia, dinâmica e afinação – a função do regente de coro se
justifica, inicialmente, pela organização e sistematização de todos esses elementos estruturantes da melodia e da harmonia para uma execução musical coletiva coesa, adquirindo então a função de ser o condutor (guia) para a realização da obra musical. No entanto, a execução musical não se limita somente aos aspectos técnico-musicais. No caso de um grupo coral, os cantores são a principal fonte de emissão sonora, utilizando o próprio corpo para a realização musical.

Cuidar da integração e integridade desse grupo exige habilidades do regente que vão além do simples conhecimento da linguagem musical. É necessário compreender também as relações humanas numa perspectiva de valorização e respeito das individualidades pelo e para o “bem-estar do grupo”. Aspectos da vida social dos cantores e de suas experiências cotidianas interferem diretamente na execução musical. Nesse sentido, para Zander (1987), o significado atribuído ao regente em ser “a vida” de um agrupamento coral, acredito referir-se ao papel desempenhado por ele na condução das relações sociais do grupo e de sua formação. Mas e a alma? O que significaria ser a “alma de um coro”?

Toda obra de arte pressupõe em seu processo criativo e realizador o fenômeno da interpretação ou ato de interpretar1. A interpretação poderá partir do autor da obra, que interpreta a realidade para recriá-la ou do observador que busca interpretar o seu sentido, muitas vezes atribuindo uma nova perspectiva ao que se foi criado. No caso da execução de uma peça musical por um grupo coral, a sua interpretação fica, na maioria das vezes, sob a responsabilidade do regente. Cabe ao regente a transformação das obras musicais moldando-as significativamente e singularmente a cada nova execução a ponto de aproximar o cantor da essência musical da peça apresentada e, dessa forma, ser elemento fundamental e modificador da expressão impressa na interpretação dos cantores. Nessa perspectiva, acredito que Zander aponta o regente como “alma” de um coro por possuir o poder interpretativo sobre a execução da obra musical.

Lebrecht (1948) sintetiza, historicamente, alguns traços em comum entre os regentes. São eles:

ouvido agudo, carisma para inspirar músicos ao primeiro contato, vontade de impor seu estilo, grande capacidade organizacional, aptidão física e mental, ambição implacável, inteligência poderosa e um senso natural de ordem que lhes permitia atravessar milhares de notas dispersas para atingir o cerne artístico. Essa capacidade de obter uma visão de conjunto da partitura e transmiti-la a outros é a essência da interpretação (LEBRECHT, 1948, p. 18).

O domínio e a imposição da ordem pelo regente podem ser percebidos pelos cantores como um ato quase divino e heróico, e como afirma Lebrecht (1948, p. 18), causando um “fulgor etéreo em suas mentes e permitindo o uso e o abuso de poder pelo regente em benefício pessoal”.

Mas como fica a poder interpretativo da obra por parte dos cantores? Acredito que para um grupo coral contemporâneo a execução musical deverá estar centrada em uma abordagem dialógica entre os cantores do coro e seu regente.

Até o momento, podemos compreender que o regente possui um poder sobre os seus cantores podendo ou não transformá-los em meros instrumentos dos quais se serve para alcançar propósitos determinados. No entanto, seria possível encontrar na atividade de canto coral uma pedagogia do questionamento da experiência, pelos integrantes, na construção de uma obra artística, assim como as implicações em suas vidas das experiências musicais vividas? Essa pergunta desafia diretamente a figura central do regente apontando uma mudança de paradigma em seu papel no grupo, colocando-o não somente como um (re)criador musical, mas também como um educador.

A “concepção bancária” – expressão criada por Freire (1983) – de muitos regentes de coro em apenas depositar estruturas melódicas, rítmicas e harmônicas na mente dos cantores e administrá-las com sentido de produzir ou reproduzir uma obra artística musical, não deveria sobrepor ao processo de compreensão coletiva interpretativa da obra, responsável por suscitar nos cantores uma reflexão crítica sobre o seu fazer artístico e o seu cotidiano. Rousseau (2004, p. 81) afirma que “o primeiro de todos os bens não é a autoridade, mas a liberdade”.

O regente, nessa perspectiva, passa a ter o poder de “mediação” na busca de encontrar uma identidade para o seu grupo com base em uma ação libertária, dando autonomia a cada cantor de expressar sua relação com a música executada, encontrando também uma sonoridade coletiva verdadeiramente expressa. A relação entre o regente e o coro adquire contornos de uma relação entre sujeitos, onde o regente cria condições para que o coro tenha a sua expressão musical e saia da condição de mero objeto ou instrumento musical para ser “tocado”, conduzido, na maioria das vezes, tangido pelas mãos do regente.

Outro ponto a se observar, como exemplo de ação mediadora por parte do regente, são as situações que envolvem a organização corporal dos cantores nos ensaios e apresentações. Regentes preocupados apenas com uma emissão sonora limpa, perfeita, na maioria das vezes sonoramente “asséptica2” de seu grupo coral, optam por manter os cantores estáticos e desprovidos de movimento, condicionando seus movimentos ao movimento preciso e coordenado das estruturas do aparelho fonador. A voz de cada cantor e suas nuances são modeladas na busca de uma sonoridade hegemônica determinada pela percepção musical do regente. Neste caso, movimentações expressivas naturais do corpo dos cantores, na maioria das 
vezes involuntárias e associadas ao sentimento e prazer de cantar, parecem comprometer o resultado sonoro limpo final.




Um novo paradigma de sonoridade e expressão do coro pode ser encontrado a partir de um somatório das diferentes expressões sonoras e corporais vivenciadas na busca pela ação interpretativa de cada integrante do coro, encontrando assim uma sonoridade resultante.

 O regente ao mediar essas relações se torna mais atento ao processo do desvendar da voz de cada cantor, ao invés de imprimir uma técnica de emissão sonora na busca de uma sonoridade homogênea.

Desvendar o processo individual de cada cantor seja no âmbito sonoro ou corporal – ou especialmente na junção dessas duas expressões – num coro é construir a ação global de todo o grupo. Olhar para essa relação corpo e voz nada mais é do que observar as características do instrumental humano, que materializam a música através de sua voz; voz que está no corpo e, portanto, é corpo; corpo individual que transforma o corpo coletivo num coral. Dessa maneira, o processo de construção musical se torna mais denso e intenso mediado através de discussões necessárias para se encontrar um “acordo” para uma sonoridade onde as “diferenças” sejam complementares. Nesse sentido, podemos observar que o coro da ópera tradicional é um corpo homogêneo. Procura operar uma execução homogênea. Em uma nova perspectiva, o coro “coletivo” é um coro heterogêneo. Procura construir uma interpretação heterogênea unitária.

Em muitos exercícios e vocalizações não se percebe claramente uma conexão mais direta entre os exercícios de emissão vocal e o restante do corpo. Conectar os exercícios de emissão com o movimento do corpo, procurando um sentimento equilibrado na interpretação sem cair em uma execução demasiada medíocre apresenta-se como questão fundamental de estudo. O corpo do cantor não deve ser um(a) boneco/marionete para o regente.

O regente necessita soltar as cordas que sustentam a interpretação musical e emocional de um coro e iniciar um processo de mediação acerca de seus movimentos, do movimento da música e conseqüentemente do movimento do corpo coral. É necessário que haja um encontro, que cada cantor se encontre com o máximo de possibilidades de seus corpos, sem que para isso deva haver outro tipo de opressão dominadora. Elas podem ser encontradas no trabalho coletivo, desde que haja sensibilidade com as singularidades de todos por parte de todos – regentes e cantores – no processo de realização musical.

O resultado sonoro é o resultado do diálogo, do encontro. Não haverá diálogo se não houver, prioritariamente, uma crença em transformação por parte do regente. No processo interpretativo, a alienação do cantor em relação à obra musical executada, onde o músico fica subjugado ao poder interpretativo do regente, deve ser substituído por possibilidades de
expressão individual dos membros do coro através de uma interpretação coletiva – cantores e regente – da obra musical.

A construção do conhecimento musical se realizará como uma interação mediada por várias relações; pela mediação feita por outros sujeitos, como afirma Vygotsky (1987). O processo de educação e formação passa a ser um processo ativo, onde o diálogo entre os autores, intérpretes, regentes e coro, podem ser mediatizados pelas situações do cotidiano dos ensaios e apresentações, e para além deles. Nesse sentido, o mais importante será o “que se aprende” e o que se traz de novo para modificar as possibilidades de diálogos que são evidenciados nessas relações dos encontros.

Os encontros cotidianos, a co-habitação com outros artistas e linguagens num mesmo espaço/tempo, a soma das diversidades sonoras, podem ser re-convertidos a todo instante. O encontro mediatizado converte-se em estratégia para a construção de novas condições de possibilidade, sobretudo no que diz respeito à constituição de processos criativos. Para Gilles Deleuze (1992), “é precisamente a contingência do encontro que garante a necessidade daquilo que ele faz pensar”.

Muitos regentes possuem dificuldade afetiva de lidar com o “diferente” e muitas vezes se escondem atrás do poder da regência para não exporem os seus sentimentos. Mas como uma obra artística pode ser verdadeiramente exibida se não há uma exposição do regente para o seu grupo e para o público? Perceber os mecanismos de dominação entre os cantores do coro e o regente é o primeiro passo para sua liberdade a frente do coro, iniciando um processo artístico-educativo libertador e formador. Nesse sentido, a formação de um pensamento libertário do regente deve ser iniciada desde muito cedo, nas escolas de música formadoras de regentes, sendo necessária em seu projeto pedagógico a prática com base na organização do coletivo, para a educação da personalidade do indivíduo no coletivo e através do coletivo, como sugere Makarenko (1991).

As considerações feitas até o momento são parte de um processo de reflexão sobre meu desenvolvimento artístico durante alguns anos a frente de grupos corais. De alguma forma, acredito ter realizado transformações consistentes em meu processo de trabalho, afastando-me de antigas e sedimentadas práticas de execução musical, compreendendo a atividade coral como busca de novas alternativas de expressão artística e estética, que empreguem estratégias pedagógicas para o aprimoramento ético de seus integrantes, formando, assim, multiplicadores críticos e reflexivos para a difusão dos conhecimentos produzidos na atividade coral.

Referências Bibliográficas
DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
LEBRECHT, Norman. O mito do maestro: grandes regentes em busca do poder. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
MAKARENKO, A.S. Poema pedagógico. São Paulo: Brasiliense, 1991.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou Da educação. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
ZANDER, Oscar. Regência Coral. Porto Alegre: Movimento, 1987.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Cultura como sinônimo de arte?

Coisas cotidianas, naturalizadas, podem passar sem que as percebamos muito bem mas, de vez em quando, é bom tentarmos entender melhor determinados usos, desusos e abusos. Um desses cotidianos usos e que paira sobre minha insônia de hoje é o uso da palavra "cultura" como sinônimo de "arte".

Entendemos por Cultura toda realização humana, portanto, em um simplificação de blogueiro podemos dizer que o que não é dado pela natureza, cultura é.

Mas o fenômeno de usar a palavra "cultura" quando se quer falar especificamente de "cultura artística" tem implicações bastante interessantes. A Professora Maria Juraci Maia Cavalcante, em artigo publicado em 2009 chama atenção para uma questão importante: a primeira "Secretaria de Cultura"  do Brasil foi Criada no Ceará em 1966 e aponta:

                UM ELEMENTO COMUM A TODOS OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS  À CULTURA, COMO ÁREA DE CONTROLE SOCIAL E GESTÃO ESTATAL, É A PRESENÇA DE INTELECTUAIS. TRATA-SE DE UMA FUNÇÃO SOCIAL DE ELITES LETRADAS
 (Cavalcante, 2009, p. 110)
            
Isto posto, é possível nos questionarmos se o termo cultura como sinônimos de arte, ou de cultura artística, não é por si só uma qualificação da arte a qual nos referimos como cultura. Seria esta uma arte necessariamente culta?  um fazer artístico que se faz legitimar em aparelhos públicos/governamentais pela apropriação por parte de uma "intelectualidade ilustrada" (como parece ocorrer com a chamada "Cultura Popular)?

Este é um ponto inicial para uma reflexão a ser desenvolvida ainda, mas ficam aqui as questões.
       

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

La vida extraordinaria de un castrato brasileño Ángela Elena Palacios


Amigo o amiga,

     Si lees esto es porque, ojeando discos de música clásica en una tienda, en el hueco que separa el último trabajo de una letra y conduce a la siguiente, has encontrado estas hojas bien dobladas y escondidas. La curiosidad ha hecho que las deslizaras en el bolsillo sin ser visto. Ahora las estás leyendo en tu casa. O a lo mejor nada de esto ha sucedido. Esta carta se ha colado por una rendija, impulsada por el vaivén de cajas de discos de algún comprador poco observador y ha acabado en ese lugar oculto del mueble donde la señora de la limpieza nunca llega. Ahora se balancea enredada en una telaraña. Eres entonces una vieja araña solitaria que mira atónita estos papeles y los lee telepáticamente. Me gusta imaginar que esta carta, sin estar dirigida a alguien preciso, por lo menos va a tener un destino preciso. Preocupación de desocupada redactora, dirás, que justifica que no abra un blog para contarte

     la historia de un hombre del nordeste de Brasil que tenía una voz extraordinaria. Ese hombre viajó por tierras lejanas exhibiendo su prodigio. Incluso grabó dos discos y cantó ataviado con peluca del siglo XVIII en una película de reparto hollywoodiense. No contento con ello, soñó con protagonizar una ópera, pero no una ópera cualquiera, sino una creada y representada en su ciudad natal, Fortaleza. Era un aventurero de propósitos osados, si se tiene en cuenta que en Fortaleza no existía escuela ni tradición de ópera. Por fin un día ese hombre desapareció dejando antes al cuidado de una persona un baúl cerrado, cuyo contenido acabó perdiéndose. Este sería el punto final de la historia si no fuera porque todavía no se ha mencionado el nombre del hombre extraordinario y no se ha revelado la naturaleza de su prodigio. 
    Se llamaba Paulo Abel do Nascimento, nació en 1957, y lo vine a conocer en la casa de una amiga brasileña, Izaíra Silvino, profesora de música, directora de corales, animadora cultural, en definitiva, una mujer intrépida, luchadora contra la falta de imaginación de las instituciones. Una de esas pocas personas que sabe que todo es posible. Ella fue quien, a mediados de los años 80 idealizó una escuela de ópera, que sería la infraestructura necesaria para realizar el sueño de Paulo Abel. Ese sueño recibió el nombre de Moacir das sete mortes ou a vida desinfeliz de um cabra da peste, una ópera con aires de cultura e historia popular del Estado de Ceará. A la escuela se la conoció como Proyecto Ópera Nordestina y fue una labor interdisciplinar, un laboratorio de aprendizaje. La obra se construía al tiempo que sus participantes se formaban como escenógrafos, cantantes, músicos… Fue una idea que hizo torcer la nariz a más de un pedagogo conservador.
     En nuestro primer encuentro, Paulo Abel estaba acompañado por un querubín que tocaba un violín. Podría haber sido carnaval en Río, pero el querubín debe ser de yeso o de porcelana y en realidad acompaña la fotografía de Paulo Abel en la biblioteca de Izaíra, en su casa de Brasília. Admiradora, como soy, de los personajes que hacen de una peculiaridad física o psicológica una seña de identidad que desafía convencionalismos, de esos personajes que las malas personas llaman con desprecio «monstruos», caí inmediatamente seducida por la figura de Paulo Abel. Supe más de su vida y de su singularidad, poco después de la presentación junto a la estantería, a través de dos fuentes. La primera, Paulo Abel, la breve biografía que escribió Elvis Matos sobre el cantante. Matos participó en el Proyecto Ópera Nordestina y hoy es profesor de la Universidad Federal de Ceará (UFC). La segunda fuente, una excelente película de finales de los 80, Las amistades peligrosas, de Stephen Frears, adaptación de la novela epistolar de Choderlos de Laclos. Paulo Abel aparece cantando un aria, Ombra mai fù de Händel. Todo acontece en apenas dos minutos. Madame de Tourvel (Michelle Pfeiffer), una burguesa casada y de virtud aparentemente inquebrantable, entra en un salón aristócrata del París dieciochesco. Paulo Abel comienza a cantar en el escenario con una concentrada dulzura estas líneas que traduzco del italiano: «Nunca la sombra de un árbol fue tan preciosa y amable, tan suave», que es prácticamente todo lo que dice este pasaje de la ópera Jerjes. Mientras, entre el público, se desarrolla el drama del vizconde Valmont (John Malkovich), un seductor inteligente y petulante, que se debate entre su vanidad de rompecorazones y un naciente sentimiento de amor hacia Madame de Tourvel. La imagen de Abel aparece unos instantes, contrapuesta a los gestos y a las miradas leves de los personajes del drama. Pero esos dos minutos son, hoy por hoy, el documento sonoro y visual más rotundo y accesible de Paulo Abel, ante la dificultad de encontrar sus discos o de acceder a referencias extensas hechas a su obra o a su vida en cualquier medio, incluido Internet. Sin ir más lejos, en el imaginario de este país eminentemente musical que es Brasil, es un personaje poco recordado. Pero seguirá preguntándose el lector, sea humano o arácnido, ¿cuál era esa característica prodigiosa de Paulo Abel que lo convertía en un ser extraordinario?
     Nacido en una familia de escasos recursos, por usar un eufemismo, de padre albañil y de madre ama de casa que dio a luz muchos hijos de los que pocos sobrevivieron, Paulo Abel desarrolló una peculiaridad fisiológica que determinaría su vida. Como resultado de un desorden endocrinológico que le impidió desarrollar la testosterona suficiente ―se baraja con fuerza la hipótesis de la malnutrición como causa— su laringe no se desarrolló lo que era de esperar y quedó suspendida en el final de la infancia. Su voz de niño le iba a exponer continuamente a la incomprensión. El sufrimiento generado por ésta, unido a la extrema empatía con los padecimientos de las personas de su mismo origen social, configurarían una personalidad compleja, festiva, desmesurada en algunos momentos, con una ironía que sabía ser cortante cuando se le agredía. Al menos así me lo imagino a partir del retrato que realiza Elvis Matos en su libro. Su voz infantil surgía y se expandía a través de un cuerpo de hombre adulto, con una cavidad torácica que permitía una mayor resonancia, fuerza y duración del sonido. Si esa extraordinaria máquina hubiera pertenecido a una persona sin talento o sin aptitud, Paulo Abel hubiera sido igualmente un hombre especial, pero con un potencial musical malogrado. Ocurrió todo lo contrario. A golpes, de forma autodidacta, yendo contra el rechazo de conservatorios y corales, consiguió aprender música. Se convertiría en uno de los primeros castrados naturales del siglo XX, de los cantantes que propiciarían el renacimiento de un repertorio perdido, interpretado en sus condiciones originarias. 
     Me explico. Si Paulo Abel do Nascimento hubiera nacido en el siglo XVI o, mejor, a mediados del siglo XVIII, en Italia, quizás hubiera personificado héroes mitológicos en alguna ópera, ante un público de la aristocracia ansioso por escuchar una voz capaz de llegar a registros altos inauditos y de mantener las notas suspendidas por un tiempo que se describía entonces como «un instante de vértigo». Quizás hubiera sido uno de los pocos castrati que alcanzó fama y dinero, sólo que sin haber pasado por una cirugía ―ha de entenderse entonces lo de castrato, en el caso de Paulo Abel y del resto de castrados naturales, en sentido figurado. Los castrati, habían entrado en decadencia con la llegada de los ideales ilustrados, que no justificaban el arte al precio de la barbarie, con las agitaciones de las guerras del período napoleónico, que produjeron el cierre de sus escuelas, y con la aceptación de las mujeres en los escenarios de las óperas. Ciertamente se llegó a emascular a una cantidad enorme de niños de los coros eclesiales, de los que sólo un pequeño porcentaje alcanzó fortuna y permaneció con un mínimo equilibrio psicológico, después de los trastornos de identidad y de las dificultades de inserción social que causaba la operación. La Iglesia de Roma, que había permitido la castración de los niños de sus coros ad Gloriam Dei, pasó de divinizar la costumbre a prohibirla. Eso sí, tardíamente. El último de los castrati, Alessandro Moreschi, se retiró del coro de la capilla Sixtina en 1913, dejando antes el único registro sonoro de este género de intérpretes. Por los surcos de un viejo disco de 1902 su voz melodramática y algo desafinada se desliza penosamente. No era ya, ni mucho menos, un intérprete de la calidad de Senesino o Farinelli, y seguramente ya no provocaba ningún desmayo entre la audiencia de fieles del Vaticano.
     Después de Moreschi, que ya era un llanero cabalgando muy solo, se sucedería un silencio más o menos largo de las voces masculinas de registro agudo. A partir de los años 40 un contratenor inglés, Alfred Deller, volvió a popularizar el repertorio de los castrati, cantando en falsete, una técnica para fingir una tesitura más aguda de la que permite la voz natural del ejecutante. Le seguirían otros contratenores y ya más recientemente, sacudido medianamente el polvo de las homofobias y de los machismos, algunos de ellos reivindicarían, parodiando los estereotipos sexuales y a través del acercamiento a la estética del vodevil y del cabaret, la ambigüedad sexual, la homosexualidad o la transexualidad. Es el caso, por ejemplo de Ernesto Tomasini, contratenor moderno de culto y performer del cabaret italiano. O de Edson Cordeiro, forjado como cantante callejero en el centro de São Paulo, que tiene en su haber un repertorio ecléctico que va de la música erudita a la electrónica o al punk. Uno de los temas más conocidos de Edson Cordeiro es una colaboración con la fallecida Cássia Eller, rockera brasileña. Edson Cordeiro canta «La reina de la noche», el famoso pasaje de La flauta mágica,  composición para lucimiento de sopranos rompedoras de copas, mientras Cássia Eller, en música intercalada, hace lo propio, con voz áspera y masculina, con el tema «(I can’t get no) Satisfaction» de los Stones. Edson Cordeiro entró en la industria musical brasileña hacia mediados de los 90. Surgió en un contexto social propicio a su arte y se ha movido con inteligencia entre lo serio y lo paródico, jugando con géneros musicales muy modernos, a diferencia de Paulo Abel que se situaba muy claramente dentro del campo de la lírica clásica y de los géneros tradicionales. Es importante anotar que Cordeiro es de los pocos que ha homenajeado públicamente a Paulo Abel.
     Llegamos al punto culminante donde se produce el salto más allá de los contratenores, y donde aparece nuestro héroe como iniciador de otra posibilidad de las voces masculinas en el siglo XX. Ya no una costumbre salvaje, sino unas condiciones sociales salvajes juzgadas como perfectamente naturales, contribuirán al surgimiento de Paulo Abel y de algunos de los nuevos sopranos masculinos. Enfermedades, malnutrición, falta de acceso a nuevos tratamientos o a intervenciones que podrían evitar o restaurar las consecuencias dolencias. La relación entre países con una gran masa de pobreza, aunque llamados emergentes, y la aparición de los castrados naturales es una hipótesis arriesgada, que me permito confiarle a mi único lector. Nunca me atrevería a exponer esto ante una seria comunidad científica. En el caso de Paulo Abel la relación es clara. Y algo parecido ha podido suceder con los más jóvenes, dos de ellos latinoamericanos: el mexicano Javier Medina y el colombiano Jorge Cano. Sé que como Paulo Abel, Medina y Cano procesaron creativamente una aparente desventaja física. Y conocieron algo que Paulo Abel no conoció. El fenómeno de la película Farinelli, il castrato, de 1994, que popularizó nuevamente la historia de estos cantantes. Se han beneficiado de un público y, especialmente, de una comunidad de profesores de música, en sus propios países, más preparados para lidiar con un timbre de voz inusual. Javier Medina ha recibido formación en la UNAM y Jorge Cano en la Universidad Nacional de Bogotá. Lo que ya es una gran diferencia de acogida en su propia tierra, respecto a lo sucedido con nuestro protagonista.
     Porque el cantante brasileño tuvo que hacer las maletas y marcharse, cuando el cerco sobre su vocación musical y sobre su voz se estrechaba. Para resumir algunas peripecias de su vida en dos párrafos, lo cual sé que es un atrevimiento, nuestro hombre extraordinario, después de ser vetado en 1978 en el Festival de Campos do Jordão ―el festival de música erudita más prestigioso del país― por, palabras textuales de su director de aquel entonces, tener «una voz inmoral», consigue una beca para ir a estudiar al Instituto del Renacimiento Musical, en Florencia, donde comienza su investigación sobre las composiciones para castrati. En Italia trabaja también, para ganarse la vida, dando clases particulares a los hijos de la familia Gucci, dueña de la marca de diseño de moda. Después y no necesariamente en este orden: continuará su formación en Francia, grabará dos discos, participará en recitales radiofónicos, ofrecerá conciertos alrededor del mundo, aparecerá en portadas de revistas especializadas y actuará en Las amistades peligrosas. Estamos ya en la década de los 80, entre mediados y finales, y la carrera de Paulo Abel ha despegado. Periódicamente visita su país y su ciudad en busca de reconocimiento nacional e impulsa proyectos sociales que procuran la formación musical de personas desfavorecidas. Uno de sus proyectos más queridos es la ópera nordestina y la escuela unida a ella. La escuela se desarrolla al abrigo de la Universidad Federal de Ceará, se nutre de la vitalidad alcanzada por su coral, dirigida por Izaíra, y de la locura contagiosa de músicos y alumnos que se embarcan en la aventura. Paulo Abel, que grabará su segundo disco con un repertorio de melodías populares brasileñas, insiste en darse la posibilidad de cantar algo diferente a la música antigua europea, explora aires tradicionales brasileños. En Moacir das sete mortes hay un papel escrito expresamente para su voz, dentro de una ópera moderna, donde la versificación se adapta al decir nordestino, y donde se introducen manifestaciones populares brasileñas como el maracatú, mezcla de cultura indígena, africana y europea.
     Para ir terminando, cuando todo iba bien, todo empieza a ir mal, según narra Elvis Matos. Muere su madre, a la que está muy ligado, comienza a recibir la amenaza y la extorsión de una hermana y del compañero sentimental de ésta. La escuela de ópera comienza a tener problemas, sus enemigos consiguen paralizar el proyecto. La obra continúa en el aire, no ha sido montada hasta hoy. En sus últimas visitas a Fortaleza, algunos allegados le sorprenden tomando a menudo medicamentos. En 1992, amigos y familiares se enteran de la noticia a través de la prensa: Paulo Abel ha muerto el día 8 de mayo, a los 35 años, de SIDA, en un hospital francés. Algo perturbador sucede con lo que resta materialmente de él. Antes de morir, en su última estancia en Fortaleza, Paulo Abel deja un baúl sin llave al cuidado de una amiga. En él se sabe que hay fotos, trabajos, cartas, y otros documentos personales. La instrucción es que, en caso de muerte, sea donado a la universidad. Sin embargo, la hermana de Paulo Abel, antes mencionada, reclama y consigue, policía de por medio, el baúl. Su contenido acaba desapareciendo. En un intento desesperado de conseguir dinero, esta misma hermana desentierra las cenizas del cantante e intenta venderlas. Posteriormente, en un atisbo de lucidez, las esparce en el mar. Relata Matos, sugiriendo una causalidad mágica, que poco después esta hermana muere de una enfermedad misteriosa.
     Bien por causas mágicas, bien por prejuicios arraigados de naturaleza humana, la verdad es que la memoria de Paulo Abel se va desvaneciendo dentro de la historia de la música brasileña, latinoamericana y universal. Parece que el final se precipita hacia el fundido en negro. El año pasado, científicos italianos exhumaron los restos de Farinelli para estudiar sus huesos. Nadie entre los vivos ha escuchado su voz, pero la inquietud por conocer algo más sobre ese hombre que conmocionó la escena musical de una época, persiste. El recorrido de Paulo Abel, más discreto, accidentado y breve, ha dejado, sin embargo, rastros sonoros de una calidad indiscutible. Todo corre el riesgo de irse por el desagüe, con lo que se perdería una historia de vida muy interesante y la memoria de una voz singular. Confío en que seas un curioso apasionado, de esos que suelen encontrarse en las secciones de música clásica de las tiendas de discos. Confío en que si encuentras por casualidad, alguna vez, algún disco de Paulo Abel seas consciente de que se trata de una rareza llena de talento. Y en que cuando veas nuevamente Las amistades peligrosas descifres el secreto de un actor muy secundario, que aparece en una escena cantando un aria. Si eres una araña, no voy a dar por malgastado el tiempo. Confío en tus poderes de percepción extrasensorial, por encima de la opinión de los entomólogos, que te ayudarán a escuchar, tarde o temprano, la voz de este hombre extraordinario.


(TEXTO ENCAMINHADO PELA PROFESSORA IZAÍRA SILVINO)