segunda-feira, 13 de abril de 2020

DE PERNAS PRO AR





de pernas pro ar
aéreo, alheio, atento
tento arejado intento

de pernas pro ar
alço vôo e vou
aéreo, apático, atoleimado

de pernas pro ar
almejo o alto voar


QUANDO FINITA É A MÚSICA



No rádio do carro, Bach - mas não qualquer gravação de J. S. Bach: Albrecht Mayer! O equilíbrio entre a técnica com a qual o famoso oboísta alemão consegue se expressar - através das ideias de seu conterrâneo - e o sentido interpretativo cujo nexo não pode ser traduzido em palavras é algo primoroso, mas não inefável.

Inefável seria poder presenciar a realização musical no momento em que ocorreu e sorver toda a energia que dela, mesmo através de uma gravação, ainda deriva: toda a emoção de Herr Mayer e dos que com ele viveram aquela singularidade. Terminada a gravação, finita a música: carro colocado na vaga do subsolo do suburbano condomínio.

Entro no elevador de serviço por gentileza do zelador que me esperou sair do carro, sem medo de contágio com o COVID-19 desses dias e um pensamento emerge mais forte: "ele (o zelador) não conhece J. S. Bach!", Mas como posso eu afirmar isso? Poderia dizer ser preconceito, mas como assim, "preconceito"? Afinal, ninguém tem a obrigação de conhecer Bach, se bem que é bonito, portanto, mesmo não tendo a obrigação ele tem o direito de conhecer, mas talvez esse seja um direito que nunca lhe tenha passado pela cabeça - como tantos outros direitos sonegados aos que usam o elevador de serviço.
 
Ainda pensando, sentindo o som, um som de corne inglês, entro em casa com a convicção reforçada: não existe mais a profissão de músico, pois o direito humano, necessidade essencial de embelezar-se de som, é cotidianamente sonegado à maioria das pessoas e, em tal situação, os músicos são, como se diz hoje em dia, uma “desnecessidade”.

De nada adiantaria, por exemplo, montar meu corne inglês (aparentemente o único da cidade) e tocar Bach. Não sou alemão, não sou Albrecht Mayer. Talvez tocar bem alto a gravação no stereofônico aparelho da sala pudesse algo adiantar, mas aí já não seria o que fora aquela emoção vivida dentro do carro, pois mesmo ainda comigo ela é apenas um eco de mim mesmo.

Não, não existe mais a profissão de músico! Há somente um eco distorcido de um ofício humano que se afastou de sua essencial humanidade.


Todas as tentativas de evocar Bach - pelo menos aqui nos arredores - são vãs. Não temos técnica nem o apolíneo - evocando Nietzsche - “tutano emocional” para a música alemã. E, ademais, se há tantas gravações, melhor recorrer a tais registros pois, mesmo sendo sombras distantes de uma emoção passada, podem nos colocar mais próximos da humanidade alemã que também é, pelo menos parcialmente, nossa.

Finou-se a Música e findou-se o músico na insistência em tocar, mal e apenas, o repertório do passado. Foi, por assim dizer, o grande "tiro no pé" que os músicos deram em sua profissão. Mas há algo pior: apunhala-se o coração da Música aquele que dela faz mero suporte para seu próprio ego e, mesmo tocando mal, ou seja não tocando, afirma que toca e, de fato, a ninguém toca.

Ninguém se sensibiliza diante de uma música não tocada, não vivida, e talvez o zelador já tenha ouvido em alguma praça, em algum projeto social, a pequena serenata noturna de Mozart e se sentiu na obrigação de gostar, mas não gostou, mas não soube porquê e sentiu-se inepto. E foi ali que se culpando por não entender, por ser rude, não percebeu que lhe impediam de sentir o gosto, já que a sonora refeição que lhe serviram era, na melhor das hipóteses, insossa.

Dizem que a isso se chama "violência simbólica". Então eu precisaria citar o francês Pierre Bourdieu para explicar "violência simbólica", mas este texto é despretensioso e não o pretendo longo. No fundo o que aqui escrevo é uma divagação, quase nada, pois, a Música finita é paradoxalmente infinita. Sim, a Música (com M maiúsculo) infinita-se quando conscientiza seu fim e se permite à renovação, ao inusitado sonho sonoro. Já os músicos cultuados ou auto-cultuados são uma tosca e obsoleta realidade.

Prof. Elvis Matos, Dr.